13 abril 2021

Rio Grande do Sul | Saint-Hilaire e o negrinho escravo

 



Charqueada São João. Pelotas, RS.

Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) foi um botânico e naturalista francês que empreendeu uma viagem de estudos e pesquisas ao Brasil, um dos pioneiros em termos de cientistas provenientes da Europa. Sua viagem, financiada pelo governo de seu país, deu-se entre 1816 e 1822, tendo percorrido regiões do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, sem falar no Uruguai, então ocupado por tropas brasileiras e que daria origem à efêmera Província Cisplatina. Em suas andanças pelo país acabou coletando mais de 30 mil amostras de espécimes de plantas e animais, depois descritas em seus livros.

Sua estadia na então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul posteriormente é detalhada em seu livro Voyage a Rio Grande do Sul. A viagem ao extremo sul do país começou por Torres em junho de 2020, como última etapa em terras brasileiras, tendo feito contatos e se hospedado junto a representantes das elites locais. Seu itinerário incluiu Torres, Viamão, Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande, Montevidéu, Missões e litoral novamente - feito no lombo de um cavalo ou burro.

Em uma de suas primeiras anotações em seu diário de viagem, datada de 31 de julho de 1820, escreveu que "os habitantes do Rio de Janeiro (...) quando querem intimidar um negro, ameaçam-no de enviá-lo para o Rio Grande. Entretanto não há talvez, no Brasil, lugar algum em que os escravos sejam mais felizes do que nesta capitania." Quando conheceu, porém, as charqueadas de Pelotas, suas ilusões a respeito das condições da escravatura na região logo se dissiparam... Hospedado na casa de um charqueador (*), pôde presenciar o alto grau de crueldade infligido aos negros escravizados. Em seus relatos, chamou-lhe a atenção a figura de um menino escravo a serviço das necessidades da casa, costumeiramente martirizado pelos filhos do proprietário e que dormia de joelhos, sendo que jamais sorria. "Não conheço criatura mais infeliz do que essa", escreveu Saint-Hilaire.

Apesar do sentimento de empatia expressado pelo menino, registra comentários desabonadores sobre os escravos em geral, que segundo ele eram "por natureza pouco ativos". "Quando obrigados pelo temor, trabalham mal e com excessiva lentidão." Pode-se dizer que o posicionamento pessoal do viajante era ambíguo em relação ao trabalho forçado do escravizado, talvez vendo no sistema escravocrata um mal necessário diante da impossibilidade de acabar com ele do dia para a noite. Esse era o pensamento vigente à época inclusive entre representantes das elites agrárias.


(*) Charqueada São João, hoje a mais conhecida de Pelotas do ponto de vista turístico, que serviu de cenário para A Casa das Sete Mulheres e O Tempo e o Vento.


Referências:

CHAVES, Ricardo. A visita de Saint-Hilaire ao Estado. Zero Hora, Porto Alegre, 10-11 abr. 2021. Almanaque Gaúcho, p. 46.

LUCCHESE, Alexandre. Os esquecidos de Saint-Hilaire: 200 anos depois, GZH refaz viagem do naturalista, desta vez dando voz a mulheres, indígenas e negros. Zero Hora. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2020/03/os-esquecidos-de-saint-hilaire-200-anos-depois-gzh-refaz-viagem-do-naturalista-desta-vez-dando-voz-a-mulheres-indigenas-e-negros-ck7ozw0yl03tr01oa67sw32h7.html. Acesso em: 13 abr. 2021.


Mais sobre Saint-Hilaire e sua viagem ao RS:

https://cesardorneles4.blogspot.com/2020/09/auguste-de-saint-hilaire-um-viajante.html



3 comentários:

  1. A história do Brasil tem manchas de maldade!...

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    1. A escravização e a Guerra do Paraguai são as maiores.

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  2. Nossa história... Tão recente... prova o quanto temos ainda o que crescer moralmente!

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