01 novembro 2021

Ignácio de Loyola Brandão: o Brasil vive uma distopia

 




Ignácio de Loyola Brandão, 85 anos, nascido em Araraquara, SP,  é um dos mais consagrados escritores da literatura brasileira. Com uma vasta obra, traduzida em diversas línguas, é autor de romances como Zero (1975), lançado originariamente em italiano em função de ter sido censurado no Brasil e Não verás País Nenhum (1986) além de outros tantos, incluindo livros de contos e crônicas, infanto-juvenis e de viagens. Na quinta-feira que vem, 4/nov, estará em Porto Alegre para participar do evento Diálogos Contemporâneos, no Theatro São Pedro.

Em seu romance Não verás País Nenhum, um de seus livros que faz jus a ele pelo fato de ser conhecido como o Rei da Distopia (*), relançado agora em edição comemorativa de seus 40 anos, retrata uma realidade futura e distópica do Brasil que agora pelo visto se confirma: autoridades medíocres, a destruição de florestas e outras tantas coisas lamentáveis da atual realidade brasileira.

Perguntado em entrevista recente, na qual me baseio para esta postagem, sobre o significado de ter sido eleito a personalidade do ano pelo Prêmio Jabuti, respondeu que sentia-se bastante satisfeito. Lembrou sua amiga Lygia Fagundes Telles, que certa vez disse: "Eu quero as glórias quentes" e acrescentou: "Me deem prêmios em vida. Depois que eu morrer, acabou." 

Afirmou que todo mundo o chama de vidente, o que nega. Basta olhar pela janela, como dizia Nelson Rodrigues, lembrou ele. O fato é que é conhecido como o Rei da Distopia e seu último livro Desta terra nada vai sobrar, a não ser o vento que sopra sobre ela, uma espécie de continuação de Não verás País Nenhum, faz jus ao título. O entrevistador perguntou se uma realidade de tão complexa e absurda não caberia mais em um realismo mais naturalista, respondeu que o absurdo faz parte da realidade. Lembrou uma professora dos tempos de escola em que certa vez afirmou que a realidade era mais absurda do que o próprio absurdo. Contou que aos noves anos de idade escreveu uma redação sobre uma girafa com um pescoço de 200 metros de comprimento. Ganhou nota dez, motivo para reclamação de um colega que fez um texto sobre a mãe, lavadeira, e tinha ganho só cinco de nota. Por que dez se ele tinha mentido? A professora retrucou como resposta: "Ele não mentiu. Ele inventou." Eis a gênese de sua temática distópica..., imagino. Para ele, a perseguição atual à cultura, o desleixo para com a saúde, a educação e a proteção ao meio ambiente são demonstrações de um absurdo reinante de um país que resolveu apostar na distopia.

Uma frase sua ao longo da entrevista: Se eu escrevesse A Metamorfose, hoje, seria o seguinte: "Naquela noite, após sonhos atribulados, Jair Bolsonaro acordou transformado num repulsivo inseto."

(*) "Lugar ou estado imaginário em que se vive em condições de extrema opressão, desespero ou privação; antiutopia."


Fonte |
A geração atual de escritores percebe melhor os inimigos, entrevista com Ignácio de Loyola Brandão publicada no Caderno Doc, de Zero Hora de 30-31/out/21.


Mais |
O romance, o conto e a poesia segundo o escritor Altair Martins

Imagem | Carlos Ebert from São Paulo, BrazilGRU, CC BY 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by/2.0>, via Wikimedia Commons

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