09 março 2022

ENTREVISTA com Fernando Pita (2ª parte) | 1922: o Modernismo também já ocorria no Rio/ Brasil: democracia x autocracia

 





(cont.)

4. Comemoram-se neste mês de fevereiro os 100 anos da Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de São Paulo. Como não poderia deixar de ser, muitos livros foram ou serão lançados em breve alusivos ao evento, alguns deles com uma postura revisionista sobre a real importância histórica da Semana, como por exemplo a obra As Vozes da Metrópole, do jornalista e escritor Ruy Castro. Segundo ele, "a Semana de 22 arrombou uma porta já aberta"... Como você se posiciona a respeito?


Veja, a declaração do Ruy Castro foi feita sob medida para causar impacto mundo afora; mas a verdade é que ela não está de todo equivocada: pelo menos dez anos antes da Semana, já havia fortes indícios de renovação no mundo das letras brasileiras: o romance urbano de Lima Barreto, a literatura-denúncia de Euclides da Cunha, a crônica urbana de João do Rio, e por aí vai... Contudo, ainda não estava claro onde tudo isso ia desembocar, se é que ia desembocar em algum lugar. Além disso, a tradição literária parnasiana ainda era muito forte, haja vista que o Brasil é o único país cuja literatura abriga uma segunda geração parnasiana, representada pelo petropolitano – e injustamente esquecido - Raul de Leoni. 

Por outro lado, toda essa inovação ocorria no Rio de Janeiro, ainda capital federal; mas que perdia o posto de centro econômico do país para São Paulo, que apesar de ser uma cidade rica, tinha uma elite vista como “provinciana”, ou mesmo “retrógrada”. E foi justamente para dissipar essa imagem que a intelectualidade paulistana encampou a ideia da Semana de Arte Moderna e tentar moldar, também, os rumos da cultura brasileira. 

Então, eu realmente acredito que a Semana de fato encontrou a porta aberta, mas – e isso é o mais importante - foi ela que a atravessou e indicou o rumo a ser seguido. Sem ela, com certeza a entrada do Brasil na modernidade cultural teria demorado mais e, com certeza, teria tomado outros rumos.

Então, em paralelo às questões artísticas e estéticas que a Semana nos trouxe, ela também foi mais um episódio da conhecida disputa entre as duas principais cidades do país: aquela que, por ser capital política, pensava que deveria sê-lo em todo o resto; e aquela que, por ser a mais rica, busca afirmar-se e, através do poderio econômico, impor uma nova estética. E nisso, ela teve um sucesso relativo, pois essa nova estética somente conseguiria fixar-se na cultura brasileira, a partir dos anos 30, com a Era Vargas, na qual a elite paulistana teve um papel secundário. 



5. Muitas pessoas, sobretudo aquelas com uma consciência política e social mais apurada, estão temerosas em relação ao futuro deste país. Temos chances de sacudir a poeira e dar a volta por cima, como diz a música?


Acredito que essas pessoas que você citou estão temerosas com relação ao futuro do planeta em si, e não só do Brasil. Digo isso porque, olhando de uma perspectiva mais ampla, o mundo vive uma disputa entre democracias e autocracias, sendo que, em ambos os grupos, há governos de esquerda e de direita. O Brasil elegeu um sujeito de extrema-direita, cuja megalomania é diretamente proporcional à incapacidade, e que tem grandes tendências autocráticas, como não cansa de demonstrar. A questão é que, por outro lado, isso serve também para aglutinar as forças contrárias, de tendência democrática, em torno não só de nomes, mas de valores, e eu te asseguro: desde a campanha das Diretas (1984) que não vejo tanta defesa de valores democráticos como agora. Então, é baseado nisso que, acredito eu, teremos chance de, ainda esse ano, dar início ao processo de extirpar esse câncer e voltar a viver. Será um longo processo, bem longo e sofrido, mas acho que, se as forças democráticas se unirem e atuarem em conjunto - e pararem de “passar pano” pra quem não acredita na democracia - não só daremos a volta por cima, mas poderemos ir muito além.



Veja a 1ª parte da entrevista

em https://cesardorneles4.blogspot.com/2022/03/1.html


3 comentários:

  1. Parabéns pelas ideias, prof. Pita. Obrigado, César, pela entrevista.

    ResponderExcluir
  2. Parabéns pela entrevista, principalmente no que tange ao esperanto e ao modernismo. Já sua análise de conjuntura política, apesar de reconhecer que pode haver moralistas ditadores em ambas as alas (esquerda e direita), não parece notar que Lula é tão ou mais antidemocrático que seu opositor. Vide seus (dele) recentes comentários sobre a censura da mídia, que ele tanto deseja. Ademais, em anos recentes tem acontecido muita censura de canais de comunicação da direita, como por exemplo o veículo do Allan dos Santos.

    ResponderExcluir