05 agosto 2021

Jogos de poder por trás dos bastidores das Olimpíadas

 



A matéria "Jogos de Poder" presente na edição de agosto da revista Aventuras na História, assinada por Alexandre Carvalho, apresenta fatos históricos a respeito das ligações entre os Jogos Olímpicos e a os interesses políticos, algo que nem sempre vem a público, afinal o que interessa à mídia em geral é promover o grande evento e faturar o máximo que puder em sua cobertura.

Apesar do COI-Comitê Olímpico Internacional pregar a neutralidade política de seu seu grande evento, o fato é que a política sempre foi condutora de suas ações. "Na realidade, as Olimpíadas são completamente políticas. As marchas, as bandeiras, os hinos nacionais, as alianças com patrocinadores privados, a exploração dos trabalhadores por trás das marcas de roupas esportivas, o tratamento dos povos indígenas e da classe trabalhadora, a escolha das cidades anfitriãs - é tudo política. Dizer que as Olimpíadas transcendem a política é invocar uma fantasia", afirma o norte-americano Jules Boykoff, ex-jogador de futebol profissional que se tornou Ph.D em Ciência Política e autor do livro "Power Games: A Political History of the Olympics", inédito em português, citado no texto.
Nacionalismos exacerbados, Guerra Fria, boicotes, intromissão do COI nas políticas locais, censura e até mesmo violência contra contestadores sempre marcaram presença na realização dos jogos.

Por trás da figura costumeiramente idealizada de seu criador, o barão francês Pierre de Courbertin, em discurso proferido em 1935 manifestou-se da seguinte forma: "Ao esculpir seu corpo por meio do exercício como o escultor faz com uma estátua, o atleta antigo honrava os deuses. Ao fazer algo semelhante, o atleta [moderno] honra seu país, sua raça e sua bandeira." Ao mesmo tempo em que via no esporte um elemento para assegurar a paz mundial, via na prática esportiva uma excelente preparação para uma guerra eventual: "O jovem esportista certamente está mais bem preparado para a guerra do que seus irmãos destreinados". A própria ideia de que somente esportistas amadores poderiam participarem das competições precisa ser compreendida no real sentido dado por ele. Amadores não incluía camponeses e operários, no sentido aristocrático do termo de sua época. "Um elitismo disfarçado de imperativo moral", observa o autor da matéria. Somente nos anos 80 é que o tal amadorismo foi deixado de lado e os profissionais do esporte tiveram vez em definitivo.

Certamente que o ideal de congraçamento não incluía o sexo feminino nas primeiras edições do certame. Em 1900, por ocasião das Olimpíadas de Paris, a situação começou a mudar nesse sentido. Mulheres foram admitidas a participarem em duas modalidades: tênis e golfe, contra a vontade do Barão Coubertin. Para ele, 

"a glória da mulher vem merecidamente do número e da qualidade das crianças que ela produziu. Suas maiores realizações estão em encorajar os filhos à excelência em vez de buscarem recordes para si mesmas."

Além do mais, a ideia de hierarquia entre raças e etnias, de grande prestígio em sua época, era igualmente esposada pelo idealizador dos jogos: 

"A teoria propondo que todas as raças humanas tenham direitos iguais impediria qualquer progresso. A raça superior tem todo direito de negar à raça inferior certos privilégios da vida civilizada."

Uma afirmação que Hitler assinaria em baixo. A grandiosa Olimpíada realizada em Berlim, em 1936, tinha justamente o objetivo de evidenciar a superioridade da "raça ariana", mas faltou combinar com o jovem atleta negro norte-americano Jesse Owens, que acabou conquistando quatro medalhas de ouro. Hitler tratou de buscar uma justificativa para o fato:

"As pessoas cujos antecedentes vieram das selvas eram primitivas. Seus físicos eram mais fortes do que os dos civilizados brancos e, portanto, devem ser excluídos dos jogos futuros."

Lamentavelmente, o que mais decepcionou o atleta exitoso foi a reação do governo de seu próprio país: não foi recebido na Casa Branca. "O Presidente [Franklin Roosevelt] nem sequer me mandou um telegrama." Embora tenha sido recebido festivamente em Nova York, com direito a desfilar pelas ruas em meio a uma chuva de  papel-picado, quando entrou no luxuoso hotel Waldorf Astoria para ser homenageado, foi instruído a entrar pelo elevador de serviço.



Para não me alongar em muito nessa postagem, seguem-se de maneira mais sucinta menção a alguns fatos ocorridos posteriormente por ocasião da realização dos jogos olímpicos, que ilustram a matéria:

- Em 1968, na Cidade o México, dois atletas negros norte-americanos foram expulsos dos jogos após subirem no pódio em função de suas medalhas de ouro e bronze nos 200m rasos e fazerem a saudação black power, em protesto contra o racismo em seu país.

- Atentado terrorista em Munique, 1972. 11 atletas israelenses sequestrados pelo Setembro Negro, grupo terrorista palestino. Troca de tiros no aeroporto com os policiais teve um desfecho trágico: os atletas foram abatidos pelos sequestradores. Comoção geral, falta de clima para dar prosseguimento às Olimpíadas? Que nada! O espírito comercial falou mais alto.

- Guerra Fria entre os EUA e a URSS. Jogos usados como plataforma política entre os dois "contendores", com direito a boicotes ao evento por ambos os lados, arrastando países apoiadores dos dois blocos no ato de natureza política.

- As exigências do COI para que um país conquiste o direito de sediar seu megaevento que envolve marketing e mídia implica um gasto excessivo de verbas públicas, que muitas vezes teriam um melhor destino se fossem usadas efetivamente para a melhoria das condições de vida da população. Foi o que aconteceu com o Brasil em 2016, com a construção de estádios que acabaram se tornando verdadeiros elefantes brancos, como é o caso de Manaus, a título de exemplo, e promessas não cumpridas, como a despoluição da Baía de Guanabara, em que nas provas de regatas, "atletas tinham que parar seus barcos para descolar sacos de lixos presos".

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