07 fevereiro 2022

ESPERANTO, a "língua perigosa" também no Brasil, em momentos do séc. 20

 





La Danĝera Lingvo (A Língua Perigosa), escrito por Ulrich Lins, historiador alemão esperantista, teve sua primeira edição em esperanto (*) lançada em 1988 e constitui-se num marco em relação a livros de história sobre a Língua Neutra Internacional. 

Nele, o autor aborda, com riqueza de detalhes, a série de perseguições e proibições, motivadas por preconceitos e interesses de toda espécie, que a língua criada em suas bases por L.L Zamenhof sofreu principalmente ao longo da primeira metade do séc. 20, notadamente pelos regimes nazifascista (**) e stalinista, mas que incluiu igualmente outros países da Europa, como a Espanha de Franco, a Itália de Mussolini e o Portugal de Salazar, sem falar na Ásia, como China e Japão.

Até mesmo no Brasil, embora em situações bem mais específicas, alguns de seus adeptos sofreram perseguição e represálias por serem adeptos a língua, algo que, diga-se de passagem, boa parte dos esperantistas, principalmente das novas gerações, desconhecem.

Nas primeiras décadas do séc. 20, antes de passar a ser conhecido equivocadamente como "língua dos espíritas", como bem lembrou Rafael Lins, em artigo dele reproduzido no saite da ANA - Agência de Notícias Anarquistas -, o esperanto no Brasil estava associado a movimentos sociais ligados aos trabalhadores. Segundo ele, imigrantes italianos, espanhóis e portugueses tinham conhecimento do idioma e o praticavam entre eles. Durante o governo de Arthur Bernardes (1922-1926), a título de exemplo, no município de Oiapoque, no Amapá, havia uma colônia penal para trabalhadores militantes de esquerda, principalmente anarquistas. Dentre eles, Rodrigo Paz, que deixou por escrito para a posteridade relatos sobre a vida nesse verdadeiro campo de concentração, no qual muitas vezes, para passar o tempo, os anarquistas cantavam seus hinos libertários em versões para o português, espanhol e esperanto. Além disso promoviam entre eles diversos cursos diferentes, como por exemplo aqueles relacionados à música, alfabeto e conversação dos surdos-mudos, ginástica e troca de conhecimentos de línguas diversas, entre elas o esperanto.

Nos parágrafos finais de seu artigo, Lins chama a atenção para ao fato de que a contribuição dada por diversos militantes do movimento anarquista para a difusão pioneira do esperanto no Brasil não teve o merecido reconhecimento por parte das gerações posteriores de esperantistas brasileiros, talvez pelo temor de relacionar-se historicamente o esperanto a movimentos fortemente de esquerda. "Vergonha? Temor de ver o esperanto associado às 'classes perigosas' de anarquistas e delinquentes? Ou apenas medo de que a perseguição política colocasse em risco as atividades esperantistas da pequena burguesia?" - pergunta o autor.

Naturalmente que o fato narrado acima não se refere a algum tipo de perseguição direta ao esperanto, mas serve para exemplificar que a aceitabilidade do esperanto por parte de grupos de esquerda no mundo inteiro, nas primeiras décadas do séc. 20, serviu como um dos motivos para futuras perseguições ao movimento esperantista. Em seu primoroso artigo Brazilaj Samideanoj Spionataj [Coidealistas Brasileiros Espionados], publicado na revista Brazila Esperantisto nº 345, de jun/2013, Francisco Stefano Wechsler, discorre principalmente sobre a perseguição sofrida pela BEJO - Brazila Esperantista Junularo Organizo [Organização da Juventude Esperantista Brasileira] por parte do regime cívico-militar de 1964. A instituição, fundada em 1968, teve suas atividades interrompidas em 1970 por alguns anos em função de denúncia feita por um de seus membros, supostamente residente em Goiás, como sendo uma entidade que propagava o comunismo... Uma "prova" relevante encontrada pelo antigo DEOPS - Departamento Estadual de Ordem Pública e Social? Uma lista de assinantes brasileiros da revista El Popola Ĉinio [Da China Popular], publicação inteiramente em esperanto editada na China, na época, com artigos diversos sobre a cultura e o modo de vida dos chineses, de grande aceitação na coletividade esperantista internacional.


* A obra foi editada também em inglês, alemão, italiano, japonês, coreano, lituano, polonês e russo.

** Hitler p. ex. referia-se ao esperanto como sendo uma "linguazinha judaica", alusão ao fato de que Zamenhof pertencia a uma família judaico-alemã


Ainda esta semana em Cem Ideias |

08/fev - 3ª-feira: Armazém Dorneles
09/fev - 4ª-feira: Das 100 músicas de que gosto mais
10/fev - 5ª-feira: Cabeças Pensantes
11/fev - 6ª-feira: Porto Alegre 250 Anos (5)

2 comentários:

  1. A edição em português já está traduzida, falta apenas financiamento para a mesma.

    ResponderExcluir