15 setembro 2022

REVOLUÇÃO FARROUPILHA (1835-1845): História versus mitos

 


Alegoria Farroupilha, aquarela sobre papel, colado em papelão, 
cuja autoria é atribuída ao Pe. Francisco das Chegas Marins Ávila 
e Sousa, o Padre Chagas. Faz parte do acervo do Museu Júlio 
de Castilhos, de Porto Alegre.

"A partir da década de 1970, levas de trabalhos de historiadores lançaram um olhar crítico, fruto de pesquisa sistemática de fontes históricas, sublinhando o caráter elitista do levante Farroupilha [1835-1845]. Uma guerra que dizia respeito a uma parcela dos estancieiros sulinos, aferrada ao latifúndio escravocrata e rechaçada em diversas regiões do Estado, inclusive por Porto Alegre" - comentou o historiador Éder da Silveira, da UFCSPA em artigo no jornal Zero Hora (set/2020). Os revolucionários contaram ainda com o apoio de militares ligados ao movimento de abdicação de Pedro 1º e por isso postos na "geladeira", tendo sido transferidos para o extremo sul. Na verdade, ao final do séc. 19, a população pouco gostava de lembrar de uma guerra perdida, na qual morreram algo em torno de 3.000 pessoas, segundo estimativas nada seguras. Com o advento da República, tal como a Conjuração Mineira, sua memória foi resgatada, no sentido de valorizar-se todos os movimentos do passado que de uma forma ou de outra valorizaram o ideal republicano, mas que na prática, a rigor, sobretudo atendia aos interesses particulares das elites agrárias relacionadas com a produção de charque, insatisfeitas com a política tributária da Corte, indiscutivelmente bastante injusta, que prejudicava a concorrência com o produto produzido pelos países do Prata. Além disso, havia o conflito entre liberais, que propugnavam um maior autonomia das províncias em oposição ao caráter centralizador da Constituição de 1824.* 

Mais tragédias do que heroísmo | Para o jornalista, historiador, escritor e professor Juremir Machado da Silva, o conflito revestiu-se mais de tragédias do que o tão decantado heroísmo

"A guerra civil teve de tudo, às vezes um grupo tombava prisioneiro e era executado sumariamente, eles eram impiedosos. Teve execuções sumárias, saques em fazendas, estupros, muita corrupção. Então, teve algumas batalhas em que os homens demonstraram valentia, heroísmo. Mas também teve muita vilania, muita crueldade, muita ganância, muito jogo de poder em nome de poucos". 

- afirmou ele em entrevista sobre o tema e reproduzida no saite do jornal Brasil de Fato (set/2019).


O massacre de Porongos | Em seu livro História Regional da Infâmia, a respeito do episódio que ficou conhecido como o Massacre de Porongos, Juremir retrata a traição sofrida por parte dos negros escravizados que lutaram ao lado dos farroupilhas sob a promessa de liberdade após a guerra. Quando a guerra acabou, simplesmente foram entregues ao exército adversário para continuarem como escravos na corte imperial. Atualmente o vergonhoso episódio passou a ser objeto de atenção nas aulas de história das escolas.




Porto Alegre:  Uma cidade sitiada 
por 4 anos Entre 1836 e 1840 as tropas farroupilhas impuseram um cerco a Porto Alegre, que sofreu diversas restrições e situações até mesmo de fome principalmente vividas pela população mais pobre. Tiroteios, combates e ataques noturnos faziam parte do contexto da guerra. O evento foi pouco lembrado pela historiografia oficial, ocupada em ver o conflito apenas sob a ética dos revolucionária. A cidade tinha boas relações comerciais com o Rio de Janeiro e o empenho de seus habitantes de resistirem ao cerco mereceu da parte do governo central do Império, em 1841, o título de "Leal e valorosa cidade de Porto Alegre", ostentado até hoje em seu brasão. Vale lembrar que outras cidades importantes da região leste do Estado, como Pelotas e Rio Grande, seguiam o posicionamento da capital da província, as três unidas por interesses econômicos que pouco tinham a ver com os da região agropastoril dos pampas.

Enfim, a historiografia oficiosa sempre levou em conta o posicionamento ideológico das classes dominantes. Só que a História não é uma coisa estática e nenhum relato é definitivo, ainda mais pelo fato de que nos últimos tempos novas luzes foram e são lançadas sobre ela graças a uma pesquisa mais séria e aprofundada. De qualquer forma, não se trata de menosprezar os motivos compreensíveis da Revolução, também chamada de Guerra dos Farrapos, levando em conta o contexto histórico, mas sem conjugá-los com uma postura ao mesmo tempo mitificante.



Imagem da Alegoria Farroupilha | Ricardo André Frantz (User:Tetraktys), Public domain, através da wiki Wikimedia Commons


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