Nas boas casas do ramo ou à venda pela internet, o livro A Bailarina da Morte no Brasil, escrito pelas historiadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling (Companhia das Letras), trata da Gripe Espanhola no Brasil, sem deixar de lado comparações com a pandemia atual. Delas pode-se concluir que lições não foram aprendidas com a pandemia de 1918, na qual morreram 50 milhões de pessoas no mundo inteiro, algo discutível: pesquisas chegam a duplicar tal número. No Brasil, calculam-se entre 35 a 300 mil mortos. As reações à chamada Gripe Espanhola (que na verdade surgiu nos EUA)* são bem familiares a nós: negacionismo, aproveitamento político e comercial, teorias conspiracionistas, cerceamento do trabalho da imprensa.
Em Porto Alegre, na época com 192 mil habitantes, estimativas oficiais falam em 1.316 mortos. A gripe chegou com o vapor Mercedes, vindo de Rio Grande. Trazia consigo 7 tripulantes infectados, segundo o historiador Moacyr Flores. Aliás, sua difusão no Brasil teve a seguinte trajetória: Recife> Salvador> Rio de Janeiro> Santos> São Paulo. A partir de Recife, alcança ainda Belém e Manaus. Entra no Rio Grande do Sul pelo porto de Rio Grande e daí se espalha, segundo a obra citada acima.
Vivia-se uma época de eleições e em razão disso o governo estadual de Borges de Medeiros, de caráter positivista e ditatorial, determinou uma censura severa à imprensa. O sal de quinino foi recomendado oficialmente pelas autoridades como uma solução milagrosa para a cura, embora pesquisas médicas concluíssem que causava taquicardia, além de outros males colaterais.
Na região amazônica, a medicina popular baseada em ervas e frutos foi empregada até mesmo por autoridades sanitárias, em função do conhecimento dos sintomas (mas não das causas...) embora não se negasse a contribuição da ciência médica. Em Porto Alegre, proibiu-se o chimarrão, diga-se en passant...
É interessante frisar que o negacionismo oficial por parte de setores da classe política da época teve que ceder às orientações de ordem científica quando a seriedade da crise não pôde ser mais ocultada. Segundo Heloísa Sarling, em entrevista de jornal (vide referências abaixo), a sociedade se organizou de forma a criar laços de solidariedade. Não houve tanta indiferença, na comparação com 2020.
* Conhecida igualmente na época como francesa (Espanha), bolchevique (Polônia), inglesa (Pér-sia), peste de Flandres (Alemanha).
Referências:
FEIX, Daniel. Lições (não aprendidas) da Espanhola. Zero Hora, Porto Alegre, 31 out.-1º nov. 2020. Doc, p. 12-14.
TATSCH, Juliano. A Gripe Espanhola no RS e Porto Alegre. Disponível em: https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/geral/2020/06/743161-a-gripe-espanhola-no-rs-e-em-porto-alegre.html#:~:text=Foram%201.316%20%C3%B3bitos%20atribu%C3%ADdos%20%C3%A0,v%C3%ADtimas%20fatais%20em%20Porto%20Alegre. Acesso: 02 nov. 2020
Foto: Museu da Brigada Militar
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