27 julho 2020

MOBRAL: o dia em que um aluno meu leu sua primeira palavra



Trabalhei por três anos no antigo Mobral - Movimento Brasileiro de Alfabetização, de 1980 a 1982. Em 1983 o Estado me chamou como concursado e abandonei a função de alfabetizador. Em que pese as críticas ao sistema de alfabetização de jovens e adultos sob a chancela do Regime Militar, pode-se dizer que pelo menos em Porto Alegre, sob a responsabilidade da Secretaria Municipal da Educação e Cultura, o trabalho era desenvolvido com melhor qualidade. Atuei inicialmente no Salão Paroquial da Igreja São José, num bairro da zona norte da cidade, próximo ao meu. No último ano, num clube de mães num dos pavilhões onde anteriormente havia funcionado uma pequena escola anexa ao Instituto de Educação Dom Diogo de Souza, em que vim a trabalhar mais tarde, como professor de português, por mais de vinte anos, até minha aposentadoria. 

No Mobral, trabalhava em conjunto com um colega meu e nos dávamos muito bem. O salão era suficientemente grande para conter duas turmas de alunos, cada uma com um quadro-negro à disposição dos professores. Os alunos variavam de idade, desde adolescentes até pessoas idosas, como uma senhora de mais de 80 anos, que sonhava em se alfabetizar para poder ler a Bíblia. Vinha acompanhada pela filha, também aluna. Infelizmente as duas tinham grandes dificuldades de aprendizagem, principalmente a primeira, em função da idade avançada.

Mas enfim, além das aulas, procurávamos manter um clima de descontração, promovíamos festinhas de aniversários e certa vez montamos uma pequena dramatização de menos de meia-hora baseada no episódio bíblico de Salomão e as duas mães. Escolhi este tema pois sabia que seria de agrado dos alunos, alguns deles ligados às Testemunhas de Jeová. A própria encenação foi reapresentada posteriormente numa reunião de alfabetizadores da SMEC. 

Muitas emoções vivi naquele meu primeiro trabalho como professor. Uma delas me marcou de maneira especial. O dia em que um aluno meu, na faixa dos 35 anos de idade, conseguiu ler sua primeira palavra escrita no quadro: Jesus. Ele ficou tão emocionado e quase não acreditou naquilo que representava para ele uma grande façanha, uma grande conquista pessoal. 

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